terça-feira, 17 de novembro de 2009

Eu tenho essa namorada, Elsie. Há quanto tempo estamos juntos? Oh, Elsie. Hoje é terça-feira. Eu adormeci no sofá, enquanto Elsie lavava os pratos. Acordei com um cansaço peculiar. Olhei pela janela, deduzi: eram umas três e meia. Em cheio, três e meia. Escrevi doze poemas hoje. Bons poemas. Um deles sobre patos. Eu gosto dos patos. Eles têm um jeito engraçado de me abordar quando vou ao parque. Vou ao parque muito freqüentemente. Da última vez que andei por lá, tentava pensar um jeito de pagar o aluguel. Eles se aproximaram, um deles voou e se postou sobre o banco, os outros me rodeando. Elsie tem um beijo doce. E nunca põe a língua dentro da minha boca, sou sempre eu que coloco a minha na boca dela. Ela nunca me disse o motivo. Penso que não é necessário mesmo que ela diga, parece fácil entender. O fato é que ela sempre amolece de um jeito muito quente, nesses momentos. Enfim. Elsie comprou essa casa depois de trabalhar como datilógrafa durante quinze anos - durante os quais juntou dinheiro copiosamente, o que me faz pensar que não é sempre que ela amolece.

É então que penso: Bem. O dinheiro do aluguel você não tem. Mas tem Elsie. E Elsie, uma casa. Apesar de haver somente um quarto, há espaço para duas pessoas, você já deve ter percebido. Afinal, a cama já é de casal e, quando você se cansar, sempre terá a lavanderia, que é bem espaçosa - tem lugar para sua máquina de escrever e lá você pode fumar à vontade, sem que ela o perturbe. Os primeiros anos serão duros, tantas mulheres por aí. Mas você também já anda um pouco cansado desse jogo, conhecer-alguém-abordar-alguém-trepar-com-alguém. Talvez seja momento mesmo de ir para o cercado. Quem sabe seus livros não começam a ser publicados? Talvez você faça algum dinheiro e daí pode se separar, comprar um iate e contratar umas duas massagistas. Além do mais, não é tão ruim, apesar de ter quarenta, Elsie ainda tem as pernas bem boas e um rosto razoável.

Penso na Grande Crise. Se as pessoas não têm dinheiro para comprar feijão, como comprarão meus livros? Bem. Alguém ainda ganha dinheiro nesse mundo, serão eles que comprarão meu trabalho. Bebo um copo d'água. Elsie se aproxima, matreira. Encosta o traseiro em mim. Abraço-a por trás, mordo-lhe a nuca, um dedo na boca dela. Andamos abraçados até a cama. Caio por cima dela. Mais tarde eu lhe digo que preciso ir, tenho um compromisso. Ela resmunga e me chama de Sr. Liso. Dou-lhe um sorriso; nos beijamos e eu me enterneço deveras. Nos abraçamos. Mas me mantenho firme. Saio, devem ser umas cinco e pouco. Pergunto as horas a um senhor, na rua. Em cheio, cinco e onze. Desço a oito, dobro a esquina, entro no parque. Sento em um banco, os patos chegam, dou-lhes pão.

Depois eles foram para o lago, praticamente todos de uma vez. Fiquei ali. Poucas nuvens atravessavam o céu, naquela região. Tentei, então, ficar um pouco sério. Vamos lá. Você consegue. Já é hora. Seriedaaade. Ajeitei a coluna, mantive o rosto sereno. Respirei fundo, pensei no aluguel, em Elsie, no sucesso. Em tudo aquilo que vinha me fazendo rir. Depois percebi que não adiantava todo aquele esforço, me levantei e me lancei ao lago, fez um barulho molhado, pensei. Barulho molhado, péssimo aquilo, por isso eu era um poeta tão ruim. Nadei um pouco, de calças mesmo, mas tive de tirar os sapatos. O segurança que me chamou a atenção e me tirou da água, me dando um sermão daqueles, iria ter história para contar para seus filhos, quando chegasse em casa. Contaria sobre esse homem estranho que nadou no lago junto com os patos e que ria, contentíssimo, quando saiu de lá, direto para a delegacia.

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